quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ENTRE CIDADES, DESERTOS, MONTANHAS E OÁSIS... *





Da Kasbah de Kef ao Branco - Azul de Sidi Bou Saïd (Memórias da minha primeira viagem à Tunísia em Agosto de 1991)

Os primeiros dias da minha viagem inicial à Tunísia, com mais seis portugueses (Ofélia, Augusto, Carmo, Arménio, Milai e Bete), em Agosto de 1991, foram passados em Kef , região de cereais muito agrícola, onde apesar de não fumar, experimentei "chicha" (tabaco forte) no "narguillé"(cachimbo de água), num café tradicional, junto à mesquita de Sidi Bou Maklouf.

A descoberta da Kasbah - urbe entre muralhas/ castelo - enorme, com belas vistas e em bom estado de conservação, a silhueta das ruínas romanas e das mesquitas em ruas que palmilhei descendo e subindo a Medina (a zona mais antiga da cidade) implantada numa colina, que permite saborear uma paisagem inesquecível, preencheram a estadia naquela cidade.

Mas foi um espectáculo de música Raï por um grupo argelino, que fez dançar centenas de pessoas presentes no interior do castelo que me ficou como recordação marcante. Algumas matronas de dentes de prata comentaram que eu dançava muito bem à árabe...

Entre Kef e Gafsa (4 horas e meia de camioneta) a familiaridade das oliveiras deu lugar à perplexidade, com o esplendor de montanhas áridas e o exotismo das palmeiras.

Metlaoui é outra localidade da qual guardo recordações que tive o privilégio de viver: Um motorista da Companhia Mineira que nos levou a almoçar numa tasquinha, desafiou-nos a acompanhá-lo, enquanto recolhia e entregava os mineiros da Mina de fosfatos no local de trabalho e em casa. Estupfacto, admirei a paisagem lunar, fantástica, em alta velocidade e com o pó a invadir os assentos, os cabelos, a roupa até Redeyeff...

Atravessando a paisagem avassaladora,ora de estepe, ora de gigantescos rochedos, que foram regalo para os olhos cheguei a Tozeur, à boleia numa camioneta de estrume. No caminho, a força do deserto insinuou-se e as montanhas deram lugar aos Oueds (rios secos) e aos oásis.

Visitei o Paraíso (jardim exótico) o Belvedere (onde o poeta Aboulkacem Chebbi se inspirava), as nascentes de água a 60 graus. No Museu Dar Cheraïet, obra de um particular que se tornou presidente da Câmara Municipal local, aprendi entre outros, alguns costumes e rituais deste povo (hamman - banhos públicos, casamento) os tesouros do tempo da dominação turca...

Outravez à boleia numa camioneta de transporte de águas minerais, atravessei o Chott El Jerid, um lago salgado, formado com o recuo do mar, onde é possível ver miragens e que deve ser uma das mais impressionantes paisagens do mundo.

Em Douz que tem avenidas de dunas, a languidez era visível até nos gatos e os velhos sentavam-se no chão a jogar com pedrinhas.

Na ilha de Jerba senti o deslumbre de um lugar especial, escrevendo no meu diário que "as águas são de um verde - esmeralda muito claro e transparente, de uma tepidez e quietude, que é apanágio do Mediterrâneo".

Em Kairouan, num cinema tipo-Europa, assisti como convidado a um casamento. Tudo começou com a chegada dos familiares do noivo e convidados. Um conjunto entretinha os presentes até à chegada da noiva. Aí, num trono previamente montado, os futuros cônjujes permaneceram cerca de duas horas, recebendo cumprimentos e assistindo ao júbilo de parentes e amigos, que dançavam as infindáveis melodias, por vezes bastante ritmadas. Comemos bolinhos tradicionais e bebemos refrigerantes.

No 19º dia de viagem as páginas do diário guardaram esta impressão: "Sidi Bou Saïd é uma cidade toda branca e azul, suave como a terra, que floresceu numa colina poética, luminosa como o mar que a namora. Os ferros forjados das janelas, a graciosidade das varandas, o perfeito enquadramento dos largos e dos becos onde a luz jorra como se tivessem sido entornadas milhares de ânforas sobre essas velhas pedras, com a magia dos dias mais festivos, tudo extasia e toca para sempre."

No diário escrevi também que "os tunisinos gostam imenso de falar com os estrangeiros, são um povo aberto à troca de experiências, ao conhecimento." Esta evidência levou-me a regressar várias vezes, pois acabei por fazer amigos para a vida. Mas disso falarei oportunamente.

Luís Filipe Maçarico
(Antropólogo, Poeta)

*Artigo publicado no Jornal "Conversas de Café"

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Évora




Há vinte anos conquistou o título de Cidade Património da Humanidade, atribuído pela UNESCO, devido às inúmeras jóias do seu espaço urbano e à preservação adequada que as manteve até ao nosso tempo.

Évora é, como me disse certa vez uma jovem brasileira (Helen Dias) aquela cidade onde apetece viver "mil anos".

As suas praças de vivências, rumores e tanta harmonia onde a vida respira sob um azul rútil, como diria a minha conterrânea e amiga Maria Amélia, uma eborense que tem no quintal um jardim andaluz, com cerejeiras, limoeiros e odores de jasmim, hortelã, alfazema, alecrim e rosmaninho.

Évora apresenta uma das mais belas catedrais do país e o templo de "Diana", que emblematicamente coroa a passagem dos séculos, tesouro romano que continua a ser cenário de deslumbre para os viajantes de todo o Mundo.

A luminosidade do Alentejo inunda e destaca a brancura dos edifícios, projecta jogos de claridade e penumbra entre arcadas e fachadas de imóveis onde o traço de grandes arquitectos em épocas distintas sobressai.

Procurem e admirem o esplendor das igrejas da Graça, S. Francisco, S. Antão, S. Mamede, da Misericórdia, detenham-se diante da Capela de São Brás, observando a minuciosa e criativa elegância dos seus contornos.

Embrenhem-se no labirinto medievo das suas ruelas, arcos, becos, espantem-se com a profusão de aldrabas e batentes, ainda intactos e contemplem os postigos misteriosos, que nos fazem imaginar personagens de romances antigos, talvez de Herculano ou Alexandre Dumas.

Sentem-se na Praça do Giraldo, deambulem por todas as esquinas, por todo o serpenteado de ruínhas, saboreiem nomes como a Rua do Imaginário, da Mangalaça, a Travessa Torta, o Beco do Themudo, e outras toponímias que Túlio Espanca interpretou.

O manuelino e o barroco convivem por todo o lado.

Desde o Largo das portas de Moura, desfruta-se a inigualável varanda do palácio Cordovil, o tanque onde o azul e a pedra se reflectem num fantástico leque de espelhos e ao fundo, lá para os lados da Sé, a janela manuelina de Garcia de Resende. É impossível ignorar tanta beleza e não ficar bafejado pelo espírito desta cidade com uma aura particular, comparável às urbes da Itália renascentista.

A muralha que abraça e se entrelaça em artérias como as Alcaçarias, o Aqueduto das Águas de Prata, as arcadas de luz mágica. A estatuária que irrompe nos frontespícios, nas fontes, em palácios e templos, os nichos de alguns recantos, a cantaria presente em inúmeros prédios, as preciosidades das forjas que ainda cantam, o silêncio inesperado de travessas salpicadas pela voz dos sinos. Évora é também o prazer de aspirar aromas de cozinhados irresistíveis, ou a possibilidade de saborear uma gastronomia autêntica, vinhos divinais e uma doçaria conventual incontornável.

Évora é uma terra de emoções fortes e cores vibrantes. O azul como o sol, bem como a lua e as nuvens escuras não têm meia - medida. São intensos.

A noite profunda, quente, dos "sepulcros caiados de branco" acorda "espíritos benéficos". É ainda Maria Amélia, a senhora do jardim perfumado que fala, passeando no espaço de cágados e alcachofras, de trepadeiras e malmequeres onde os pássaros irrompem até que o crepúsculo os adormeça.

Entre cereais, Évora cintila, alvejando na presença ancestral uma luz que enleva e cativa.

Luís Filipe Maçarico